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A disrupção tecnológica dos cartórios através da tecnologia Blockchain

Data: 12/11/2020 14:00

Autor: Ariádine Grossi e Guilherme Rodrigues Muller

imgimgComo diz Eduardo Magrani em sua obra “Entre Dados e Robôs”[1] - Sob certa perspectiva, tenta fazer o Direito: compreender o mundo para organizar o caos potencial de todas as coisas. Sempre a reboque da 
realidade, quase sempre atrasado em seu intento, o Direito tem por fim ser “a solução prudente, dentro da ordem”.
 
Nesse sentido, vivenciamos um momento crucial para com o direito, pois, devido à crise instaurada pelo novo coronavírus (COVID-19), muitas pessoas (físicas e jurídicas) se viram em dificuldades para realizar seus atos jurídicos cartorários e registros de qualquer natureza, restando à única alternativa viabilizar a realização destes referidos atos pela forma digital, mais especificamente através da tecnologia Blockchain.
 
O termo Blockchain significa “cadeia de blocos”. Trata-se de uma tecnologia que foi desenvolvida pela primeira vez em 2008, no código-fonte da criptomoeda (moeda virtual) muito conhecida, o Bitcoin, não sabendo ao certo a origem de seu criador. A tecnologia Blockchain é considerada uma estrutura de dados organizada em formato de blocos encadeados, tendo cada novo bloco de informações, um registro do bloco anterior, de forma temporal e cronológica, logo, nenhuma informação contida no bloco anterior poderá ser alterada sem que se modifiquem todos os blocos posteriores. 
 
Dessa forma, os registros inseridos na cadeia da Blockchain são imutáveis, transparentes e auditáveis, garantindo um fator de segurança necessário para validar e implementar essa tecnologia para fins de registros públicos. Além disso, toda a formação da cadeia de blocos é armazenada de maneira descentralizada, ou seja, todas as informações armazenadas estão contidas em vários computadores ao mesmo tempo. Não existindo um servidor único que possa ser desligado ou de alguma forma adulterado, trata-se, portanto, de uma rede “ponto a ponto” (ou rede P2P), o que nos parece muito mais seguro.
 
Assim, com a fomentação e implementação da tecnologia Blockchain através de startups no país, os cartórios de registro públicos viram uma potencial forma de inovar e transformar seu fornecimento de serviços oferecidos, sendo capaz (através desta tecnologia) de alterar todo o sistema de registro de documentos e atos jurídicos no país. Estando esta inovação em perfeita sintonia com a Lei 6.015 de 1973 [2], a qual dispõe em seu artigo 1° “sobre os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos os registros públicos”, bem como pela redação incluída pela Lei de nº 13.874/2019 ao §3° do mesmo artigo, a qual estabelece que “Os registros poderão ser escriturados, publicitados e conservados em meio eletrônico, obedecidos os padrões tecnológicos estabelecidos em regulamento”.
 
A título de exemplo, o cartório Azevedo Bastos, estabelecido na cidade de João Pessoa na Paraíba, lançou um aplicativo capaz de reconhecer o reconhecimento digital de assinatura eletrônica[3], fruto da parceria firmada entre o referido cartório e a startup OriginalMy, rompendo assim com a velha premissa de ir ao cartório para realizar o ato de reconhecimento de firma.
 
Isto posto, a formalização de parcerias público-privadas (como a exposta acima), vem em bom momento, visando garantir a desburocratização, garantida através da Lei de Liberdade Econômica (Lei de nº 13.874/2019) e maior efetividade nos serviços prestados pelos cartórios do país, conforme determina o artigo 1º Lei 6.015 de 1973. Pois, ao se realizar a união de todas as informações através da cadeia de bloco de dados, a Blockchain será capaz de assegurar a obtenção dos dados registrados de forma hábil e estruturada (como um livro contábil), igualmente, será possível resguardar que todas as informações obtidas dentro das transações via Blockchain serão verdadeiras, devido ao fato de serem passíveis de uma auditoria externa, possibilitando a disponibilização de diversos serviços através do meio digital, como por exemplo, a realização de serviços de autenticação e validação de identidades; o registro civil de pessoas naturais e jurídicas; a emissão de certidões de forma digital; e por fim realizar o registro das transações que envolvem o processo de compra e venda de imóveis e veículos. 
 
Ainda no contexto da Pandemia, que acabou por acelerar os processos tecnológicos, o CNJ editou o provimento nº 100, de 20/05/2020, que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, que ainda não utiliza da ferramenta Blockhain.
 
O aludido provimento representa um dos maiores avanços na desburocratização, permitindo amplo e irrestrito acesso aos usuários, preservando a segurança jurídica abarcada pela fé pública contida no ato notarial, contendo ainda a chancela do CNJ, o que gera maior aceitação pelos cartórios.
 
A tecnologia Blockhain é permitida pelos cartórios, apesar de não ser a recomendada ou exigida pelo provimento, e é considerada uma das tecnologias mais avançadas e seguras do setor, tanto pela imutabilidade dos registros, como pela descentralização de armazenamento.
 
Nesta esteira, é provável que, em questão de competitividade, a tecnologia Blockhain poderá perder espaço para tecnologia utilizada pelo E-notarial, em razão da notoriedade e recomendação do sistema pelo citado provimento. Por outro lado, fato é que, a utilização de ferramentas tecnológicas além de facilitar as transações e atos notariais, ainda colaborará na interligação entre os cartórios e padronização dos serviços, rompendo barreias territoriais em âmbito nacional, trazendo maior agilidade e facilidade ao usuário, cabendo ao usuário optar pela ferramenta mais adequada e que lhe transmita maior segurança.
A transformação digital deste setor representa não apenhas benefícios aos usuários, mas também redução de custos e maior eficiência aos cartórios.
 
[1] ENTRE DADOS E ROBOS: ETICA E...1ªED .(2019). autor: Eduardo Magrani. editora: Arquipélago. 
coleção: SERIE PAUTAS EM DIREITO - Vol. 5.
 
* Guilherme Rodrigues Muller, advogado, pós- graduando em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI, Vice-Presidente da Comissão de Direito Digital da ABA-Cuiabá.
 
Ariádine Grossi, advogada associada do Escritório Peixoto & Cintra Advogados, especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática do Novo CPC, pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso (2016), expert em Direito do Consumidor, do Trabalho, Cobrança Judicial e Extrajudicial, Direito Imobiliário e Condominial, Membro da comissão de Direito Imobiliário e Secretária Geral Adjunta da Comissão de Direito Condominial, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Mato Grosso.
 
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