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A judicialização da política sob a ótica constitucional

Data: 24/04/2014 17:46

Autor: Felipe Amorim Reis

    Recentemente a atual oposição política do Governo Federal ingressou no Supremo Tribunal Federal para obrigar o Congresso Nacional à instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito exclusiva para investigar a compra da refinaria Pasadena pela empresa brasileira Petrobras.
 
    Hodiernamente, a política brasileira tem sofrido constantes intervenções judiciais através dos Tribunais, o que de certa forma prejudica as negociações democráticas e que a vontade do povo seja levada a cabo.
 
    O Direito tido como uma ciência social destinada a regular conduta humana intersubjetiva está dissociada da ciência política, muito embora a justiça e segurança jurídica do direito normalmente se cruzam com a soberania popular e a legitimidade democrática do mundo político. 
 
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    Hans Kelsen (1) , pai da Teoria Pura do Direito, disseminou a tese jus-positivista no século XX de que o direito, tido como ciência, não deveria ter interferências de outras ciências:
 
    “Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista, isto é, uma teoria do positivismo jurídico. Recusa-se a valorar do Direito Positivo. Como ciência, ela não se considera obrigada senão a conceber o Direito Positivo de acordo com a sua própria essência e a compreendê-lo através de uma análise de estrutura. Recusa-se, particularmente, a servir de quaisquer interesses políticos, fornecendo-lhes as “ideologias” por intermédio das quais a ordem social vigente é legitimada ou desqualificada. Assim, impede que, em nome da ciência jurídica, se confira ao direito positivo um valor mais elevado do que ele possui”.
 
    Desta forma, em razão do fortalecimento do Poder Judiciário a partir da Constituição da República de 1988, bem como a crescente intervenção judicial a partir da segunda guerra mundial na política na Europa continental e nos Estados Unidos. O país adotou em seu sistema a jurisdição constitucional, permitindo a intervenção judicial na política brasileira, para que o Judiciário dê a última palavra quando houver violação da norma constitucional fundamental no caso concreto.
 
    A Constituição da República de 1988 estabelece no seu art. 2º como um dos seus pilares da razão de ser do estado e cláusula pétrea, a independência e harmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Porquanto o poder estatal é uno e indivisível e é exercido pelo Estado nas funções: legislativa, administrativa e jurisdicional.
 
    Com efeito, a Constituição brasileira adotou a teoria da tripartição dos poderes criada pelo Francês Montesquieu, sistema conhecido como dos freios e contrapesos, de modo que cada um dos poderes controla e outro. 
 
    Sobre a harmonia e independência dos poderes da república, o constitucionalista português J. J. Canotilho (2) preleciona no sentido de que:
 
    “Independente da discussão em torno da fundamentação empírica e categorial (apriorística) da divisão dos poderes, impõe-se a individualização em dois momentos essenciais da directiva fundamental da organização do poder político: (1) a separação das funções estaduais e a atribuição das mesmas a diferentes titulares (separação funcional, institucional e pessoal); (2) A interdependência de funções através de interdependências e dependências recíprocas (de natureza funcional, orgânica, ou pessoal); (3) o balanço ou controlo das funções, a fim de impedir um superpoder, com a consequência possibilidade de abusos e desvios. Pode afirmar-se que também entre nós este principe d´art politique tem subjacente a ideia de constituição mista, a máxima política de divide e impera e a exigência de freio e contrapesos (checks na balances) Le pouvoir arrête Le puvouir.”
 
    Nestes termos, entende-se a tripartição dos poderes, assim como adotado pela Constituição Federal 1988, como uma forma criada pelo constituinte originário de evitar o superpoder e que permita um poder controlar o outro nos seus atos, evitando desvios e abusos de poder, de modo que os poderes estatais estão entrelaçados entre si.
 
    A interferência judicial na política tem-se dado em razão da inoperância dos Poderes Legislativo Executivo e falta de representatividade do mesmo, bem como constantes crises de corrupção que assola o país brasileiro.
 
    Todavia, o Poder Judiciário deve ter muita cautela ao adentrar no mérito político-discricionário quando interferir no Poder Legislativo, pois o efeito da decisão judicial pode ser prejudicial para a política majoritária e para os verdadeiros mandatários eleitos pelo povo.
 
    Por outro lado, sempre que houver excesso de poder do Legislativo ou Executivo e a não observância do regramento constitucional, o Poder Judiciário, como guardião da Constituição Federal deve intervir para restabelecer a ordem constitucional.
 
    No controle de constitucionalidade, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a doutrina constitucionalista é firme nos sentido da aplicação do Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade nos atos do Poder Executivo e Poder Legislativo, ensejando a intervenção judicial nos casos de sua não observância, vejamos:
 
    “Todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do 'substantive due processo of law' (...) A exigência de razoabilidade qualifica-se como parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. A exigência de razoabilidade que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais” 
(ADI nº 2667/MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/03/2004).
 
    Neste sentido, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes (3) nos ensina que,
 
    “O excesso de poder como manifestação de inconstitucionalidade configura afirmação da censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera da liberdade de conformação do legislador (gesetzgeberiche Gestaltungsfreiheit)”.
 
    Pois para o citado constitucionalista, 
 
    “A inconstitucionalidade por excesso de poder legislativo introduz delicada questão relativa aos limites funcionais da jurisdição constitucional. Não se trata, propriamente, de sindicar os motivi interiori della volizione legislativa. Também não se cuida de investigar, exclusivamente, a finalidade da lei, invadindo seara reservada ao Poder Legislativo. Isso envolveria o próprio mérito legislativo.”
 
    Por fim, conclui-se que a jurisdição constitucional realizada pela Suprema Corte nas democracias contemporâneas possui um aspecto negativo, pois demonstram a desconfiança da sociedade com a democracia e com a política representativa e confiança excessiva no Poder Judiciário ao mesmo tempo.
 
    A guisa de todo o exposto, em respeito ao princípio constitucional da harmonia e independência entre os três Poderes da República, é imperioso a não intervenção do Poder Judiciário em casos que compete apenas aos Poderes Executivo e Legislativo para que a política majoritária e a população não sejam prejudicadas, pois “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, no termo desta Constituição” (Parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal de 1988).
 
Felipe Amorim Reis é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MT.
 
___________
[1] Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, São Paulo 1996. P.118.

[2] J.J. CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Almedina. Coimbra/Portugal. 7ª Edição. P. 556.

[3] GILMAR FERREIRA MENDES. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Ed. Saraiva 3ª Edição, São Paulo 2007. P. 46.

 

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